Eu não esperava nada. Era uma galeria prestigiosa — como tantas outras — com paredes brancas, discursos polidos e silêncios cuidadosamente medidos. Entre um néon mudo e um vídeo abstrato, havia ali, quase por engano, uma imagem.
Um grande desenho colorido: um mar, um monstro imenso, tentáculos violetas e, minúsculo, um personagem de pé num barco vermelho.
PareI.
Não havia indicação de autor nem de origem no pequeno cartão de apresentação.
Essa imagem, aparentemente ingênua, me prendeu. Eu ainda não sabia que ela iria me engolir.
No dia seguinte, voltei.
Olhei novamente, fotografei, e alguns dias depois retornei mais uma vez — para vê-la, e para comprar uma edição limitada, assinada com uma caligrafia totalmente ilegível.
Era como se a imagem quisesse continuar uma espécie de conversa.
Talvez eu esteja exagerando — com certeza estou —, mas parecia que ela me havia escolhido.
Hoje, olhando para trás, acho que eu estava diante dela como o pequeno personagem diante do monstro.

Mostrei a reprodução a um amigo psiquiatra.
Queria que ele me ajudasse a entender por que aquela imagem “infantil”, às vezes, me habitava — quase me assombrava.
Ele pegou o desenho, observou-o longamente e disse, com calma:
— Você me disse que há um barco. Tem certeza de que é um barco?
— O que mais poderia ser?
— Talvez rochas. E, se for um barco, está afundando. O que significa que a cena é um naufrágio.
Essa frase deslocou tudo.
Já não era a história de uma luta, como eu havia imaginado, mas de um depois.
Um
Um depois que tentava se dizer.
A figura não era um herói enfrentando um monstro, mas um náufrago.
Caso contrário, como teria ele ido parar ali — sozinho — naquela imensidão?
Meu amigo continuou, quase falando consigo mesmo:
— Olhe a língua do monstro. Talvez não seja uma arma… não… sim… é uma chama. Uma língua de fogo. Esse Leviatã — porque creio que é disso que se trata — não ruge. Ele fala.
Meu amigo, perfeitamente descrente — assim como eu —, mas profundo conhecedor da história da arte, mencionou os Atos dos Apóstolos: as línguas de fogo, a palavra que desce, a comunicação do caos.*
— O monstro, aqui, talvez queira dizer algo. Esse fogo pode ser o logos primitivo — a palavra antes das palavras.
Enquanto o escutava, a imagem, de repente, tornava-se uma cena de revelação.
Ela não mostrava — ela falava.
E compreendi que me falava tanto mais quanto eu era incapaz de ouvi-la.
E compreendi que me falava tanto mais quanto eu era incapaz de ouvi-la.
Um grande desenho colorido: um mar, um monstro imenso, tentáculos violetas e, minúsculo, um personagem de pé num barco vermelho.
PareI.
Não havia indicação de autor nem de origem no pequeno cartão de apresentação.
Essa imagem, aparentemente ingênua, me prendeu. Eu ainda não sabia que ela iria me engolir.
No dia seguinte, voltei.
Olhei novamente, fotografei, e alguns dias depois retornei mais uma vez — para vê-la, e para comprar uma edição limitada, assinada com uma caligrafia totalmente ilegível.
Era como se a imagem quisesse continuar uma espécie de conversa.
Talvez eu esteja exagerando — com certeza estou —, mas parecia que ela me havia escolhido.
Hoje, olhando para trás, acho que eu estava diante dela como o pequeno personagem diante do monstro.

Mostrei a reprodução a um amigo psiquiatra.
Queria que ele me ajudasse a entender por que aquela imagem “infantil”, às vezes, me habitava — quase me assombrava.
Ele pegou o desenho, observou-o longamente e disse, com calma:
— Você me disse que há um barco. Tem certeza de que é um barco?
— O que mais poderia ser?
— Talvez rochas. E, se for um barco, está afundando. O que significa que a cena é um naufrágio.
Essa frase deslocou tudo.
Já não era a história de uma luta, como eu havia imaginado, mas de um depois.
Um
Um depois que tentava se dizer.
A figura não era um herói enfrentando um monstro, mas um náufrago.
Caso contrário, como teria ele ido parar ali — sozinho — naquela imensidão?
Meu amigo continuou, quase falando consigo mesmo:
— Olhe a língua do monstro. Talvez não seja uma arma… não… sim… é uma chama. Uma língua de fogo. Esse Leviatã — porque creio que é disso que se trata — não ruge. Ele fala.
Meu amigo, perfeitamente descrente — assim como eu —, mas profundo conhecedor da história da arte, mencionou os Atos dos Apóstolos: as línguas de fogo, a palavra que desce, a comunicação do caos.*
— O monstro, aqui, talvez queira dizer algo. Esse fogo pode ser o logos primitivo — a palavra antes das palavras.
Enquanto o escutava, a imagem, de repente, tornava-se uma cena de revelação.
Ela não mostrava — ela falava.
E compreendi que me falava tanto mais quanto eu era incapaz de ouvi-la.
E compreendi que me falava tanto mais quanto eu era incapaz de ouvi-la.
Continua…
* Na tradição oriental, o Pentecostes é um tema central da iconografia.
Os ícones bizantinos mostram os apóstolos sentados em semicírculo, muitas vezes dispostos como num trono ou numa plataforma elevada — símbolos da unidade e da plenitude da Igreja.
No centro, um espaço vazio, ou uma figura velada, representa o mundo — frequentemente um velho coroado, chamado Cosmos, segurando um pano cheio de pergaminhos que simbolizam as nações a serem evangelizadas.
E, acima de cada apóstolo, uma pequena chama:
uma “língua de fogo” estilizada, fina, dourada ou vermelha, que desce da parte superior do ícone, onde um semicírculo celeste representa o céu, a manifestação de Deus.
Esse fogo não queima — ele ilumina.
É a luz incriada, o esplendor do Espírito Santo.
Na tradição ortodoxa, chama-se Luz Taborica, a mesma luz que transfigurou Cristo no Monte Tabor.
Os artistas bizantinos procuram menos representar uma cena realista do que tornar visível o invisível:
o fogo não é uma chama física, mas a claridade espiritual que envolve os apóstolos.

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