mardi 28 octobre 2025

Teatro (versão em português)


– Como é que decidimos, há algum tempo, passar a comunicar através da imagem?
– Talvez tenha sido necessário.
A imagem funciona como um palco onde se desenrola algo que torna o nosso trabalho...
– ... menos abstracto!
– Exactamente... Sabe, hoje fala-se muito de identidade. As pessoas querem saber quem são, de onde vêm, a que grupo pertencem.
– Quem é o autor desses desenhos?
– Pois eu digo muitas vezes: o que importa não é tanto de onde vimos, mas por onde passamos. Porque nunca vimos de um único lugar. Como diz o meu colega Daniel Sibony, nós passamos de um lugar para outro. E é aí, nessa passagem, que algo se cria.
É isso o entre-dois.
entre-dois não é um vazio. Não é uma hesitação mole entre duas posições. É um espaço vivo, vibrante, onde se joga.
Sabe, numa porta, deixa-se sempre um pouco de jogo, caso contrário, ela encrava.
Pois bem, na vida é o mesmo: se suprimirmos o jogo, se tudo se cola, tudo se bloqueia, já nada passa.
– O que chama… o jogo?
– O jogo é o que permite à vida circular.
Porque é aí que se inventa: entre as palavras, entre as línguas, entre as pessoas.
É aí que se descobre que não somos um bloco identitário, mas um jogo de distâncias, uma passagem de vida.
Veja o teatro. O actor interpreta um papel, mas não se confunde com ele.
Há sempre um espaço entre ele e a personagem — e é precisamente aí que reside a arte, a verdade do jogo.
Se ele fosse totalmente a personagem, enlouqueceria; se estivesse totalmente desligado dela, seria frio, mecânico.
O jogo é esse entre-dois entre o actor e o papel — e a vida é igual: estamos sempre um pouco entre o que somos e o que representamos.
E depois, sabe, há o amor.
O amor também é um entre-dois.
Não é fusão — a fusão é a morte do jogo.
Também não é separação total, porque aí já não há ligação.
É esse movimento entre dois seres que procuram manter-se distintos, ao mesmo tempo que se encontram.
O amor é um jogo de distâncias tensas, um batimento: toco-te sem te tomar; chegas a mim sem me possuir.
É frágil, é arriscado, mas é vivo.
entre-dois é também o lugar do desejo.
O desejo nasce da distância, não da posse.
E o desejo é o que nos põe em movimento, o que nos impele a atravessar.
Por isso, quando queremos preencher todos os intervalos, prever tudo, fixar tudo, matamos o jogo, matamos o desejo — tornamo-nos injogáveis.
Gosto muito dessa palavra: injogável.
Há vidas injogáveis, casais injogáveis, políticas injogáveis.
– Porquê?
– Porquê? Porque se fechou o jogo.
Porque se quis que houvesse um só sentido, uma só verdade, um só caminho.
Mas a vida não é uma demonstração.
É um movimento de distâncias, uma série de passes.
Veja o futebol: fala-se de passe, não é? — é o que faz circular, o que liga sem colar.
Na psicanálise, também se fala da passagem: o momento em que algo passa do sintoma à palavra, da experiência ao pensamento.
E na vida, há também essa passagem — esse momento em que se pode jogar de outro modo, em que se abandona um quadro para inventar outro.
Esse momento é raro, mas é aí que a vida pulsa verdadeiramente.
Portanto, estar no entre-dois não é estar perdido.
É estar em movimento.
É saber que o que faz manter tudo, não é a rigidez, é a tensão.
E que se pode ser si mesmo, mas em jogo, não em bloco.
É uma ética da passagem: não se agarrar a um lado, nem rejeitar o outro, mas jogar o intervalo que os liga.
entre-dois é o lugar onde se fala, onde se deseja, onde se cria.
É aí que o humano se fabrica.
E talvez o gesto mais belo, hoje, seja devolver o jogo ao mundo — tornar as vidas novamente jogáveis.
Isso é talvez o verdadeiro teatro da existência: um palco entre duas margens, onde se aprende a passar, a arriscar, a jogar.


Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Vos commentaires sont les bienvenus