mercredi 29 octobre 2025

Tempo (tradução em português)

 “O tempo é uma substância da qual sou feito. O tempo é um rio que me leva, mas eu sou o rio.”

Jorge Luis Borges, Uma nova refutação do tempo


– Meu caro Lucian, há algo que me intriga...
– Diga-me, Ignatius... estou a ouvi-lo.
– Poderia, à sua maneira, desenvolver a famosa expressão: o tempo passa?
– Não... é o homem que passa. Sim, é bela, essa expressão, não é, Ignatius?
– Sim... “O tempo passa.” Diz-se muitas vezes. Como se o tempo fosse um rio e nós, pequenos barcos.
– Mas... não. Não é o tempo que passa, somos nós. É o homem que passa...
– Através do tempo?
– Sim, mas também... e sobretudo, através de si próprio. O tempo, esse, não passa. O tempo é — é jogo.
– Jogo? Que jogo?
– Como diz o meu amigo Daniel Sibony*: um jogo de distâncias entre um antes e um depois.
O que passa é o nosso ser, a nossa marca, o nosso sopro. O tempo não escorre: sustém o intervalo entre o que já não é e o que ainda não é. E somos nós que “atravessamos” esse intervalo, que fazemos a passagem.
– Então estamos a jogar?
– O tempo, veja, é como um palco vazio. Não é o palco que passa, mas o actor... os actores. O palco permanece; acolhe.
– Então o mundo, se entendo o que me diz, seria um palco?
– Veja, o que se move é o corpo, a voz, o gesto, o desejo. E quando um actor sai, outro entra; o palco está sempre lá.
– Ninguém saiu!
– Quando o actor desaparece, isto é, quando o homem deixa de representar, diz-se: “o tempo passa.” É uma maneira um pouco preguiçosa de dizer que temos medo de passar nós próprios. Projectamos sobre o tempo a nossa própria passagem. Mas a verdade é que somos nós que passamos — e ainda bem. Fomos feitos para passar.
– Se entendo bem, poder-se-ia dizer: passar é viver... logo... não passar seria morrer?
– Sim... mas a morte não é o contrário da vida.
– Então o que é?
– É o limite que torna a vida passante. Se nada passasse, nada seria vivo.
E quando se diz: “O tempo foge, tudo se vai”, na verdade lamentamos a nossa própria fuga.
Não queremos ver que somos nós que mudamos, que nos deslocamos, que perdemos e que encontramos.
– Mas essa passagem, esse deslizamento... nunca o observei.
– É isso que nos faz humanos. O tempo é apenas um nome para esse entre-dois da nossa passagem. Veja: o tempo é um intervalo simbólico entre dois acontecimentos, dois sopros, dois desejos.
– Seria como uma substância que corre?
– O tempo não corre; joga.
– Tal como nós... mas onde joga ele?
– Ele e nós jogamos entre o que vem e o que parte. E cabe-nos a nós inscrevermo-nos aí, jogar a nossa passagem.
Portanto, sim, o tempo não passa. É o homem que passa, no tempo, como quem atravessa um campo, ou um sonho.
E por vezes deixa um rasto: uma frase, um gesto, um amor — algo que continua a jogar mesmo quando já não estamos.
E talvez seja essa a dignidade da passagem: não se agarrar à ideia de durar, mas saber passar com estilo, com presença, com jogo.
Não sofrer o tempo, mas dançar dentro dele.
O tempo não passa. É o homem que passa, e, na sua passagem, abre um pouco de sentido, um pouco de espaço, um pouco de entre-dois.
E depois vai-se embora... mas esse jogo, esse batimento, permanece.


*Daniel Sibony, O jogo e a passagem, Seuil






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