vendredi 14 novembre 2025

Ligação

 

“Mesmo que, mais suavemente do que Orfeu, tocasses a lira ao ponto de comover as árvores, o sangue não regressaria a essa sombra vã [...] Destino duro, que se torna mais leve quando se aceita aquilo que é impossível fazer voltar atrás.”
 
Odes, Horácio
 
 
 
 
Ignatius pergunta a si mesmo se a interrogação do senhor Lucian, assim o chama, não sem uma ponta de ironia, se dirige realmente à sua memória, pois não recorda nada do que está em causa. O pouco que sabe nasce das próprias perguntas e das imagens onde se vê representado. Está quase certo de que é o senhor Lucian o autor desses desenhos que ele lhe traz. Pouco a pouco, um rumor discreto foi nascendo na sua mente, como um verme que corrói o fruto da imaginação. Começa a pressentir qualquer coisa, muito além das palavras, a respeito dessas imagens. Ouve uma voz distante que lhe fala, que quase o obriga a desejar compreender o laço que o une a elas. Uma voz que, sabe-o bem, é a do próprio senhor Lucian…
E assim, quase contra si mesmo, rompe o silêncio que se havia imposto e retoma, com alguma desconfiança, o diálogo.
— Segundo vós, que pareceis tudo saber… que laço poderá existir entre essas imagens e eu próprio?
— Sabe, Ignatius, existe em todas as línguas humanas uma palavra que pulsa como um coração secreto. Uma palavra discreta, mas obstinada. Uma palavra que cose as coisas entre si, que recusa a solidão do mundo. Essa palavra é o lien, the link, a ligação.
 
Em francês, lien vem do latim ligare: atar, unir, manter junto. Carrega a gravidade da fidelidade, a densidade do juramento. Evoca a corda, o pacto, a promessa. Dizer o lien é sentir a tensão do fio, a resistência daquilo que une. É a memória do mundo que não deseja desfazer-se.
— Acredita então que o nosso mundo… enfim… o meu, que é também o vosso, se está a desfazer?
— Em inglês, link descende de uma raiz germânica, hlankijaz, que significa dobrar, curvar, juntar. Aqui, o laço torna-se movimento. O nosso mundo move-se. Não ata, nem se deixa atar…
— Que faz ele, então?
— Passa.
O link não é uma corda, mas um arco, um anel metálico, um elo de corrente, uma pequena ponte, se preferir. Como as raízes onde caminháveis. É um laço que dança — como vós — e que desliza de forma em forma. Fala menos de apego do que de conexão viva, de fluxo. Considerai-o como uma abertura.
Na língua da rede, o link já não liga corpos, mas mundos: inventa continuidade dentro da dispersão.
— Acredita que nós, vós, eu e o Leviatã, estamos em mundos diferentes… dispersos, como dizeis?
— Sabe, Ignatius, os mundos que parecem tão diferentes acabam muitas vezes por tocar-se. Em português, o antigo ligação, vindo também de ligare, vive hoje ao lado do termo importado link. Duas palavras na mesma língua, dois sopros de uma mesma origem.
Ligar é unir, chamar, acender. O gesto torna-se luminoso: ligar a luz é fazer nascer a claridade. E clicar num link é unir consciências através da rede, eco moderno do gesto ancestral de estender a mão.
— Então o português guarda as duas memórias?
— Sim: a profundidade do laço latino, enraizado, fiel; e a fluidez do laço germânico, móvel, digital. Incorpora a síntese.
A ligação que se torna link é o fio humano que se transforma em luz.
— Será esse o grande segredo da linguagem?
— Cada palavra que une diz a mesma verdade sob formas diferentes.
No lien, há a mão que segura, agora.
No link, há o caminho que conduz.
Na ligação, há a voz que chama.
E nestes três gestos respira um único sopro: o do mundo que não cessa de se ligar a si mesmo. É isso que tentais fazer, Ignatius. Tudo o que vive é laço. As raízes entrelaçam-se na terra, as estrelas atraem-se no céu, as palavras encontram-se na boca dos que falam… de vós… destas imagens… de Dom Cenoura… de Sangue Quente…
 
 
 

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Vos commentaires sont les bienvenus