dimanche 16 novembre 2025

Na memória

 



Cada vez que releio os meus cadernos, sou atingido por um fenómeno que geralmente preferimos ignorar. Nunca reencontro exactamente a história que tinha na memória.
Não porque tenha esquecido pormenores — embora às vezes os confunda —, mas porque o próprio texto parece ter mudado, ter-se rearranjado, deslocado, recomposto em silêncio.
É exactamente o que acontece quando releio um livro. Leio-o… e o livro que eu tinha lido desapareceu. No seu lugar surge outro, muito próximo, mas não idêntico.

Esta constatação tem algo de perturbador.
E, no entanto, abre uma via essencial.

A nossa própria história não é um texto estável no tempo; é uma sucessão de reconstruções.
Tudo o que leio neste caderno é sempre uma mistura instável entre o que fala na minha memória e o que escrevi.
Ler não é percorrer um texto: é reorganizar a memória.

Imaginamos ingenuamente a leitura como uma simples transferência de informações: o olho capta, a memória guarda. Nada mais falso.
Ler é seleccionar… mas também é esquecer,
reinterpretar, corrigir, completar, salvar momentos isolados, recompor um todo coerente a partir de elementos fragmentários.

Dito de outro modo, ler é inventar aquilo que julgamos ter lido.
Cada leitor lê um texto diferente;
cada releitura é a leitura de uma nova história, mesmo que as palavras sejam as mesmas.

No caso deste caderno, esta dinâmica atinge um nível extremo: esta história, já instável na sua narração, seria igualmente instável para qualquer leitor improvável que a encontrasse.
Daí resulta um objecto móvel, de dupla instabilidade… mas que fala.

Surpreendo-me, a cada releitura, ao reencontrar cenas que julgava conhecer e que em nada se parecem com as minhas recordações.

Assim foi no dia em que o universo inteiro parecia dialogar consigo mesmo através de mim. Como se eu fosse um simples sismógrafo humano, uma consciência pousada ali, frágil, sobre uma rocha quente, mal arrefecida desde a noite dos tempos.
Então pensei que este arquipélago, embora nascido da violência, se tornaria um santuário.
Um dia virão os musgos, depois os insectos, depois as aves e, quem sabe, talvez outros homens.

Amanhã descerei à ilha vizinha, ainda mais recente, mal visível nas brumas.
Seria imprudente ir sozinho. Mas devo ir, pois é ali que a Terra fala com a sua boca de fogo. Ali conta a sua história… a nossa história.

O vento circula sem entrave, levantando nuvens de poeira vulcânica, fina como talco, escura como carvão, que se infiltra nos interstícios, apaga os vestígios, modela dunas negras e cinzentas.
A vegetação é rara, mas não ausente.
Observam-se, incrustados na pedra, minúsculos líquenes amarelos ou alaranjados, formando como alfabetos antigos na pele das rochas. Nalguns lugares, tufos de erva seca com hastes avermelhadas tremem ao vento, presos a pequenas bolsas de terra ocre acumulada entre dois afloramentos de lava.



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