Uma contra a outra as forças se lançaram, E o monte estremeceu de choques formidáveis Quando se investiram, na névoa, sob os clarões De grandes relâmpagos seguidos de sombras turbulentas.
José-Maria de Heredia, «Le Combat», Autres sonnets et poésies diverses
O céu triste, pesado de nuvem e trovoada, Abate sobre os caminhos, na sombra exausta, Os perfumes exaltados dos roseirais amantes, Dos roseirais soluçantes que se queixam entre si.
Anna de Noailles, «Volupté», Les Éblouissements
Félix, embora já fosse tarde, a noite bem avançada e o tempo da sessão largamente ultrapassado, continuava de pé no seu consultório. Afastou-se um passo da poltrona onde Lucian estava desabado. Algo, no seu espírito, tinha mudado radicalmente.
Pegou em todos os desenhos trazidos por Igniatius, empilhou-os com cuidado sobre a secretária, quase com a delicadeza de um coleccionador, e depois, um a um, dispôs-nos sobre a grande mesa baixa, como um investigador que recompõe um puzzle cuja importância pressente ao iniciar a sua busca.
Lucian olhava-o fazer, demasiado cansado para impedir seja o que for, como um homem que começa a perceber que algo se joga para além de si.
Félix contemplou os desenhos em silêncio. Um silêncio raro nele. Todo ele era densidade, verdadeira absorção. De repente, imobilizou-se. Ficou rígido.
O olhar suspenso. Olhando e indicando um certo detalhe com precisão, dando ao mesmo tempo a impressão de olhar ao longe… muito mais longe…
— Ah.
Pronunciou esse “ah” como quem descobre um indício que teria preferido nunca ver.
— Lucian… venha cá. Olhe para isto.
Lucian levantou-se e, maquinalmente, quase apesar de si, aproximou-se.
Félix apontou um esboço no caderno… depois um desenho… não, três desenhos… onde aparecia, em parte, na margem, como uma silhueta esboçada, traçada finamente… tal como a marca de uma sombra na página em branco.
Visivelmente, o homem a dançar sobre um livro em chamas lembrava uma figura que ele tinha a impressão de reconhecer…
Félix toca e mostra o desenho com a ponta dos dedos.
Félix toca e mostra o desenho com a ponta dos dedos.
—
Está a ver, Ignatius… ups… queria dizer Lucian? — diz. — Olhe bem para
os traços. Não para o que mostram, Lucian: para o que o obrigam a
pensar!
Lucian inclina-se. E o que vê literalmente lhe corta a respiração. O perfil esboçado, a testa um pouco alta, o nariz direito, a boca fina, o vinco discreto ao canto do olho… tudo isso…
parecia-se com ele.
Félix olha-o sem se mexer.
— E aqui… e aqui… e ainda aqui…
Mostra-lhe outros desenhos onde o mesmo rosto surgia, às vezes mais nítido, às vezes quase apenas sugerido, mas sempre reconhecível.
Lucian recua um passo e murmura, com um curioso misto de timidez e segurança:
— Eu… eu não entendo…
Félix sorri brevemente, um sorriso onde se misturam divertimento, perplexidade, inquietação, vontade de rir e um leve traço de gravidade que Lucian nunca lhe tinha visto até então.
— Eu também não, meu caro… não entendo. E isso nunca é bom sinal. Quando o psicanalista e o supervisor deixam de entender, é porque algo de essencial tenta dizer-se através de uma forma inconfessada.
Pega num desenho e ergue-o à luz.
— Este rosto não só se parece consigo, Lucian. Ele reconhece-o. Ou melhor… é o Igniatius que o reconhece nele. E o senhor reconhece-se nele… Mas… não será dizer de mais que o próprio desenho o reconheceu antes mesmo de o senhor o ver?
Lucian permanece sem voz. Félix prossegue, mais grave ainda:
— Isso muda tudo. Ou melhor: confirma tudo o que eu disse, mas num registo ainda mais agudo.
Volta a pousar os desenhos e o caderno sobre a mesa com um gesto lento, como se manipulasse um conjunto de peças arqueológicas que é preciso montar.
— Lucian, se o Igniatius o vê nos seus desenhos, isso quer dizer que a sua presença tomou forma antes mesmo de ser pensada. O senhor é, para ele, o rosto que margeia o seu arquipélago mental. A testemunha. O guardião. O Outro… no sentido lacaniano: aquele que olha por detrás do cortinado. Talvez haja aqui uma pista a explorar…
Félix inspira longamente, como se estivesse prestes a dizer algo perigoso.
— Mas isso também quer dizer que, de uma forma que ainda não compreendeu, já estava na história dele antes de ele o encontrar. Não o senhor, evidentemente… a sua figura. A sua função. A sua silhueta simbólica. O analista pré-inscrito na ilha do outro.
As mãos de Lucian tremem. Normalmente, isso nunca lhe acontece.
— Está a querer dizer que…
Félix interrompe-o, suave mas firmemente:
— Estou a dizer que se tornou, para Igniatius, o mestre das margens… das fronteiras, se preferir. Aquele que contorna o seu arquipélago, como essas silhuetas nos desenhos: demasiado próximas para serem ignoradas, demasiado vagas para serem nomeadas. Ele coloca-o na origem, porque não tem origem. Põe o seu rosto no lugar onde não tem memória. É vertiginoso, mas lógico.
Lucian senta-se pesadamente. Félix retoma, mais baixo, mas com uma profundidade que parecia vir de muito longe:
— E agora… impõe-se uma dúvida, não uma dúvida sobre ele: uma dúvida sobre si. Porque deixou o caderno aberto, Lucian? Porque desenhou essas formas, mesmo sem pensar? Porque é que esse rosto volta a surgir nos desenhos de um homem que não conhecia?
Lucian, com a voz abafada:
— Não sei…
Félix faz um gesto apaziguador.
— Não procure já. Encontrar isso demasiado cedo iria desestabilizá-lo. Mas saiba o seguinte: o que se joga entre vocês dois não é uma simples transferência. É um enlaçamento. Um nó… um emaranhado das vossas faltas. O senhor tornou-se uma figura no mundo dele. E ele, sem que o desejasse, tornou-se um revelador no seu.
Conclui, deixando-se cair contra o encosto, com aquela lucidez alegre e cruel que lhe era própria:
— O problema, meu caro Lucian, não é o Igniatius o desenhar. É o facto de o senhor ter começado, sem se dar conta, a desenhar através dele.
Silêncio. Depois, muito suavemente:
— E agora… vão ter de ser dois a aguentar-se nesse fio sem cair no abismo que se abre entre vocês.


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