mardi 4 novembre 2025

Pequeníssimas variações

 




 Temia que, durante o nosso próximo encontro, o clima da nossa conversa pudesse ser perturbado pelos mal-entendidos mútuos de que demos prova. Mas, ou eu me enganava, ou Lucian — que eu estava prestes a chamar de Senhor Lucian… não sem certa ira… talvez só um pouco… ou por bravata — continuou, simplesmente, como se nada fosse, tratando-me pelo meu nome próprio com o mesmo tom calmo.
– Veja, Ignatius, proponho explorarmos o teatro — em geral, sim, mas aqui… em particular. Falo do teatro das suas imagens. Ele revela que a identidade nunca é fixa, mas um jogo de papéis, uma passagem… a “passe”, uma construção performativa.
– Acredita que através de um desenho podemos jogar com a identidade… como outros tocam piano!
Sem hesitar, Lucian respondeu com naturalidade desarmante:
– Sim, a identidade é jogada, mas esse jogo deve conduzir a uma apropriação interior, a um “tornar-se si mesmo” autêntico.
Confuso, Ignatius tentou explicar-se… misturando processo iniciático e revolta mal disfarçada…
– Contudo, sabe… ou pelo menos deve suspeitar… quando desenho… aquilo que está diante de nós, pois, segundo diz… eu seria o autor desses desenhos… como agora, aqui diante de si, já não sei quem sou… e depois — e conhece isso melhor que eu — já não me lembro de os ter feito…
– Onde o teatro revela a pluralidade das máscaras, há o risco de ficar preso à máscara: o homem pode representar a vida em vez de a viver. E vejo que é precisamente isso que lhe acontece… No desenho, usa uma máscara… Observe bem, e não poderá negar uma semelhança impressionante consigo mesmo!
– Diz então, de certo modo, que não há identidade dada, apenas processos como mudar de papel ou construir-se pela representação.
– Kierkegaard diria:
“O homem não é primeiro ele mesmo. Deve tornar-se.”
Mas esse tornar-se não acontece no palco social; ocorre no interior. Há em nós um “palco interior” onde se representa o drama do eu.
– E o teatro exterior?
– O teatro exterior revela a multiplicidade do eu.
O essencial, em todo o caso, será: quem é o espectador?
– Quando desempenho um papel social, o espectador é o público, mas quando “me torno eu mesmo”, o espectador será aquele a quem alguns chamam Deus… ou… prefiro isto, a minha consciência.
– Tem razão e sabe disso, Ignatius: a autenticidade não é performance mas testemunho interior. O ser constrói-se por jogo, ruptura, passagens…
Ignatius, interiormente, sentia ainda um profundo desacordo com Lucian. Esse sentimento nascera no momento em que, ao vislumbrar os esboços de Lucian, reconheceu de imediato a parentesco com os desenhos que comprara numa galeria e trouxera àquele que julgava seu amigo — e que agora afirmava que, pelo contrário, era o próprio Ignatius quem os teria feito. Atitude infantil, até pueril, pensou… sobretudo porque era ele, Lucian, claramente reconhecível nos desenhos… Quanto mais pensava, mais o sentimento crescia em segredo, e menos se tornava acessível ao diálogo.
Como, apagando as provas com retórica habilidosa, sob pretextos falaciosos, o jogo se tornara uma armadilha na qual Lucian tentava empurrá-lo? pensava Ignatius, para quem a poltrona de Lucian, por vezes, tomava o lugar da boca do monstro e parecia querer devorá-lo…
– Talvez pense que o jogo social é uma armadilha, Ignatius? perguntou Lucian, como se lhe lesse o pensamento.


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