lundi 15 décembre 2025

Insistência



Ainda vos falo, mas talvez sejais vós

A falar agora, através dos meus turbilhões.
O que digo aqui já não é inteiramente meu;
Procura outra carne, outro amanhã que o acolha.

A voz de Sangue Quente, ao longe, ecoa
A do vigia… Que pessoa sensata acreditaria
Numa tal possibilidade insensata…
“O mundo não é um dado estável, pensa Sangue Quente,
É aquilo que se abre no acontecimento,
O que toma forma no próprio existir
Quando este é atingido, surpreendido, deslocado.
A insistência é precisamente o que resiste a essa abertura:
É uma presença sem jogo,
Uma presença que já não sabe calar-se.
O mundo insiste quando já não acolhe o homem,
Mas o retém. Não o chama: prende-o.”



Vi naufragarem cem vezes promessas demasiado belas,
Mastros altivos a partirem-se sob céus infiéis;
Vi falsos sóis dos pavilhões vermelhos
Brilharem sobre destroços cegos da sua própria luz.

Eu estive lá. Acreditei. Queimei a minha força e a minha voz.
Cantei ao vento, caminhei sem tecto.
E quando o casco cedeu ao riso e à embriaguez,
Aprendi que o grito vale menos que a justeza.

Então calei-me. Mantive-me erguido
Num rochedo nu, batido por um mar sem fé.

Calar será saber, ou apenas poupar-te?
Fujo da mentira, não da aspereza.

Mas diz-me: o teu silêncio ainda vive,
Ou é apenas muralha erguida contra o vento?
Observas cair aqueles que ainda ousam:
Eles sangram; tu manténs-te — mas o que susténs?

Pois o circo é vão, sim — grotesco e ruidoso —
Mas ousa o fogo, o ímpeto, a pulsação.
Morre mil vezes mal, mas vive mil vezes.
Tu já não falhas — mas caminhas, diz-me?

“Não quero mais mentir ao desejo que me cega.”
— “E eu temo um coração que se tornou demasiado sereno.”
“Não quero servir máscaras nem o pavor.”
— “E eu temo um sábio sem qualquer tremor.”

Basta!
Pois tendes ambos razão, e ambos vos enganais.
Nem o êxtase sem margens, nem o orgulho que treme
Por já não se deixar tocar pelo fogo dos vivos
Farão deste mundo um lugar mais firme.

Não sou o circo, nem sou pedra.
Sou vigia e passagem, fronteira e luz.
Já não subo, embriagado, a navios despedaçados,
Mas não faço voto de eterna clareza.

Que me deixem escolher o instante, não a fuga.
Que me deixem entrar antes da sequência incerta.
Quero fogos contidos, não fogueiras vaidosas;
Riscos consentidos, não sonhos aduladores.

Ficarei aqui enquanto a hora o ordenar,
Não por medo da partida nem desprezo por coroas,
Mas para que, ao partir, seja de olhos abertos,
Sem crer que o mar se deve enfim calar.

E se o circo cair, que caia à sua maneira.
Já não rirei falso, nem fugirei ao azul.
Caminharei por vezes, velarei muitas,
Burro humilde, mas ainda vivo.

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