“— Diga-me, Lucian… olá, Lucian… está aí?”
Lucian parece ausente, perdido nos seus pensamentos.
“— Sabe, Félix, tenho dúvidas…”
“— Muito bem, Lucian… você duvida… logo existe… Conhece o cogito, não é?”
“— Como toda a gente, Félix, mas onde quer chegar?”
“— Já lá vou… Para si, o instinto vem antes da razão… e para mim é o contrário: penso, logo existo. E, neste momento, o que me interessa é esse logo. Ao contrário do que a palavra «logo» parece sugerir, o cogito não é um raciocínio silogístico, mas uma intuição imediata.
O gesto de Descartes é este: duvido. É aí que quero chegar. Não me disse há pouco que estava a duvidar? Ora, duvidar é uma forma de pensar. Assim, no mesmo instante em que duvidamos, não podemos duvidar de que pensamos. E, se pensamos, não podemos deixar de existir.
Deste modo, o pensamento garante imediatamente a existência do sujeito pensante. Vê agora para onde quero ir, Lucian?”
“— Não vejo… não.”
“— Você duvidava… como eu duvido agora… e como Igniatius duvida…”
“— O que é que ele tem a ver com isto?”
“— Disse-me que ele duvidava… ou melhor, que suspeitava de algo. Ele acredita, segundo o que me disse, que talvez seja você o autor dos desenhos que traz da galeria — a mesma galeria onde eu próprio encontrei o desenho que analisámos ontem… e talvez hoje também.”
“— Creio que já lhe expliquei isso, Félix… Foi uma tentativa…”
“— Sempre o instinto antes da razão! Mas o cogito não é uma demonstração: é uma evidência captada pelo espírito, uma experiência interior. O cogito inaugura uma nova metafísica onde o sujeito se torna o primeiro fundamento da certeza. Estabelece uma verdade autoautêntica, que se confirma a si mesma. Mesmo enganado, sonhando ou manipulado, eu devo existir para poder ser enganado.
E parece-me, Lucian — retomando aquilo que Igniatius certamente pensa — que você está a enganar-se a si próprio. Por isso lhe pedi que o trouxesse, e é por isso que insiste em recusar. Cada dia, queira ou não, uma página vira, Lucian. Observe melhor esta imagem na qual diz ver Igniatius e veja como talvez seja você que se pode reconhecer nela… Reconheça: é perturbador!”
Para Descartes, a essência do ser humano não é o corpo, mas o pensamento (res cogitans).
O sujeito é, antes de tudo, uma realidade mental: sentir, perceber, imaginar, compreender, querer… e até — acrescentaria eu — ver.
Tudo isto pertence ao pensamento. Tudo emana desse primeiro ponto fixo.
Félix faz uma pequena pausa, respira fundo e continua:
“— Veio-me uma ideia, Lucian. Será que teve a intenção, generosa, de ajudar Igniatius produzindo estes desenhos, na esperança de que ele ‘caísse sobre eles’ na galeria que, descobri, fica no mesmo edifício onde vive… no rés-do-chão?
Se for verdade o que esta imagem sugere, e se — como acredita Igniatius — eu acreditar que foi você quem a criou… então estaria realmente preso entre dois fogos… como a própria imagem mostra…”

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