Antes mesmo da chegada de Lucian, Félix percebe que algo mudou. Nada de espetacular. Nada que possa ser nomeado como ruptura. Uma erosão, antes. Lenta. Quase polida. Um desgaste em dose homeopática, mas contínuo. Até então, as trocas entre eles haviam mantido um tom amistoso. Uma cumplicidade discreta, feita de confiança e estima mútua. Félix percebe que essa evidência já não se impõe. Não que Lucian se tenha fechado, nem que se mostre hostil. Mas instalou-se uma reserva, como se cada palavra tivesse agora de atravessar uma fronteira invisível.
Félix senta-se, relê rapidamente as suas notas e fecha o caderno.
Não insistir, diz para si. Não o pressionar sobre aquilo que ainda se recusa a ver.
Faz uma resolução, quase uma estratégia: deixar Lucian falar de Igniatius. Voltar aos desvios, às peripécias, às figuras inventadas. Aí, tem a certeza, há muitos elementos que ainda lhe escapam. As personagens de Igniatius falam demais para nada dizer. Dizem muito sobre ele e, talvez indiretamente, sobre Lucian.
Batem à porta do consultório. Lucian entra. Desta vez traz uma pasta na mão, que pousa sem comentário sobre a mesa baixa. Retira dela dois desenhos. Os mesmos formatos dos que Igniatius costuma trazer. O mesmo papel, os mesmos traços nervosos, a mesma economia de cores.
Lucian não diz nada.
Faz um gesto simples, quase cordial, convidando Félix a olhar.
Félix toma o seu tempo. Obriga-se à lentidão. Não quer defender-se pela pressa — além disso, que defesa seria essa, e de onde viria? O silêncio instala-se, mas não é um silêncio vazio. É um silêncio vigiado.
O desenho é estranho. Nele surge uma figura inclinada, quase em desequilíbrio, presa numa rede de formas vegetais ou tentaculares. Linhas entrelaçam-se, enrolam-se, sustentam tanto quanto entravam. A figura parece ao mesmo tempo sustentada e ameaçada, suspensa num espaço instável, sem verdadeiro chão.
Félix compreende imediatamente que se trata de um episódio da história de Don Carotte e percebe de imediato o quanto a figura se parece com Lucian. Associações surgem nele de forma instantânea. Demasiado instantâneas. Ele contém-nas.
Lucian rompe finalmente o silêncio.
— Gostaria que comentasse…
O pedido é direto. Quase demasiado direto.
Félix percebe de imediato o seu efeito: ele é, de certo modo, intimado a falar primeiro. A produzir sentido. A ocupar, ainda que por um instante, um lugar que não é o seu. O seu plano interior fissura-se. Limpa levemente a garganta — não por embaraço, mas para ganhar tempo. Depois escolhe o único caminho que lhe parece possível: fazer perguntas.
— O que foi que o impressionou, a si, quando o viu pela primeira vez? pergunta suavemente.
Lucian esboça um sorriso breve, quase divertido.
— É a sua vez de comentar, responde. Vê bem que é isso que lhe peço.
Félix inclina ligeiramente a cabeça. Aceita a imposição, mas à sua maneira.
— Está bem. Então vou seguir outro caminho… tentar de outro modo.
Faz uma pausa.
— Quando diz “comentar”, espera uma descrição ou o que isso me provoca?
Lucian não responde de imediato. Olha de novo para o desenho, como se procurasse ausentar-se… ou ausentar-se dele.
— O que isso lhe provoca, diz por fim.
Félix inspira lentamente.
— O que isso me provoca… é uma sensação de equilíbrio precário. Algo se sustém, mas não sabemos bem porquê. Tenho a impressão de que, se uma única linha cedesse, tudo ruiria.
Ele pára. Observa Lucian pelo canto do olho. Nenhuma reação.
— Pergunto-me, prossegue, se este corpo é sustentado pelo que o rodeia… ou se, pelo contrário, é prisioneiro disso.
(Hesita.)
— E pergunto-me também se essa indecisão é importante.
Lucian cruza os braços.
— É interessante que fale de indecisão, diz ele. Igniatius, por seu lado, fala mais de combate.
— Combate contra o quê? pergunta Félix de imediato.
Lucian encolhe ligeiramente os ombros.
— Contra aquilo que o impede de avançar. As palavras, as figuras, as imposturas… conhece o refrão.
Félix acena com a cabeça. Volta ao desenho.
— O que também me chama a atenção, diz ele, é a ausência de chão. Não há um ponto de apoio evidente. Tudo se joga no entre-dois.
Corrige-se.
— Mas prefiro perguntar-lhe: você vê um chão?
Lucian olha longamente para a imagem. Depois:
— Não.
Um silêncio.
Um verdadeiro, desta vez.
Félix sente algo a tensionar-se entre eles. Não tomou o lugar de Lucian, mas já não está totalmente do lado de fora. Falou. E essa fala, mesmo prudente, deixou um rasto.
— E Igniatius? pergunta ainda. O que diz ele sobre este desenho?
Lucian responde sem hesitar:
— Parece-me que disse nunca o ter visto antes… pelo menos não exatamente como lhe aparece a si.
Félix não comenta.
Limita-se a acenar com a cabeça.
A sessão pode continuar.