Lucian retoma a palavra antes que Félix tenha tempo de formular uma nova pergunta. Fala mais lentamente do que de costume, como se quisesse, desta vez, antecipar qualquer interpretação.
— Veja, Félix, trata-se de uma viagem de Don Carotte, tal como Igniatius me contou. Uma viagem que Don Carotte não escolhe.
Ele aponta para o desenho com a ponta dos dedos, sem lhe tocar.
— Ele é levado. Transportado. Em equilíbrio instável, como um cavaleiro–voltigeiro de pé sobre o seu cavalo… salvo que não se trata de um cavalo. São raízes. Raízes que traçam o seu caminho no oceano, entre as ondas, que ora as sustentam, ora as atacam.
Félix escuta com atenção. Regista mentalmente a precisão do vocabulário. Levado. Não escolhe. Transportado.
Surpreende-se com a coerência do relato, como se a imagem já tivesse encontrado as suas palavras.
— Igniatius insiste muito nesse equilíbrio, prossegue Lucian. No facto de Don Carotte não cair. De não poder cair. Não porque domine a situação, mas porque algo o mantém, apesar dele.
Félix inclina ligeiramente a cabeça.
— Algo… ou alguém? pergunta com prudência.
Lucian não reage de imediato. Continua.
— As raízes não são âncoras. Não fixam nada. Avançam. Procuram. E o oceano não é um obstáculo, mas um meio. Isso é importante para Igniatius. Ele diz que Don Carotte não luta contra o mar. Ele luta para se manter de pé enquanto o mar faz o seu trabalho.
Félix sente surgir uma tentação interpretativa. Reconhece-a, e põe-na de lado.
— E Sang Chaud? pergunta. Ele está presente nessa viagem?
Lucian esboça um sorriso.
Lucian acena afirmativamente.
— Sim. Igniatius diz que ele olha para trás. Ou melhor, que olha para aquilo que deixa para trás, sem conseguir agarrar-se a isso.
Félix sente então, de forma muito nítida, que algo se deslocou na sessão. Lucian já não lhe pede para comentar. Ele explica. Dá acesso à lógica interna do desenho, como se quisesse retomar a sua autoridade.
— E você, Lucian, pergunta Félix após um instante, o que faz dessa viagem?
A pergunta é simples, quase banal. Mas compromete outra coisa. Lucian hesita. Não por muito tempo. Apenas o suficiente para que Félix o perceba.
— Tento não me reconhecer demasiado nela, responde por fim.
A resposta não é isenta de ambiguidade. Félix não sorri. Não comenta.
Regista interiormente a formulação: não demasiado, uso de um verbo pronominal…
— E Igniatius? retoma. Ele reconhece-se em Don Carotte?
Lucian abana a cabeça.
— Não. Ele diz que Don Carotte é mais corajoso do que ele. Que aceita aquilo que Igniatius recusa.
Félix permanece em silêncio. Sente que a sessão poderia bascular se fosse mais longe. Limita-se a uma última pergunta, quase factual.
— Igniatius sabe quem desenhou esta cena?
Lucian olha-o diretamente nos olhos.
— Não, responde. Ele diz apenas que este desenho existia antes de ele contar a viagem.
O silêncio que se segue já não é o mesmo.
Não é tranquilo, nem tenso. É carregado.
Félix compreende então que, desta vez, não será ele a relançar. A sessão entrou numa zona em que as imagens falam por si mesmas, e em que cada um, à sua maneira, ainda tenta não ser o seu autor.
— Don Carotte estava acompanhado de Sang Chaud?
— Não. Não desta vez. Igniatius diz que Sang Chaud ficou em terra e eu suponho — mas é apenas uma hipótese — que ele não teria suportado esse tipo de travessia.
Um silêncio instala-se.
Félix olha de novo para o desenho. As ondas estilizadas, quase decorativas, contrastam com a densidade das raízes. Surpreende-se a pensar que são elas, mais do que o oceano, que realmente sustentam o corpo.
— O que me impressiona, diz finalmente Félix, é que Don Carotte não olha para a frente. Ele não parece saber para onde vai.
Ele estava enganado… a respeito de Don Carotte… e de Sang Chaud…

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