dimanche 26 octobre 2025

Ignatius (Versão em português)

 
“Os nomes próprios são como nuvens: mudam de forma e de cor conforme as recordações e os sonhos que lhes associamos.”
 
Marcel Proust, O Lado de Guermantes 
 
 

 

— Sabe… Ignacio, permite-me tratá-lo pelo primeiro nome?

Foi uma pergunta estranha. Afinal, já fazia meses, mais de um ano, talvez dois, que nos encontrávamos e éramos amigos.

— Ignatius, meu amigo... respondi, um pouco incomodado, como sempre fico quando alguém altera o meu nome... Ignatius del Amaro. Assim fui sempre chamado.

Há algum tempo eu me perguntava o que Lucian escrevia quando, como convém entre amigos, conversávamos sobre isto e aquilo. Era uma espécie de mania, talvez profissional, já que ele era psiquiatra. Mas, nos últimos dias, eu quase tinha a certeza — pelos movimentos largos da mão e do pulso, demasiado amplos para quem escreve — de que ele não estava a escrever, mas a desenhar.

Mais do que isso: por um impulso súbito, vindo das profundezas de mim mesmo, sem qualquer respeito pela cortesia, invadi por um instante o seu espaço privado. Vi rapidamente, e reconheci o estilo — e mais ainda, a essência — dos seus desenhos. Havia neles uma espécie de assinatura que me fez lembrar um quadro que me impressionara numa galeria que visitei durante uma viagem ao estrangeiro. Eu o tinha comprado e trazido para que ele o analisasse. Como era bastante grande, pendurámo-lo na parede, por conveniência, para o observar melhor.

— Tem razão, Ignacio — disse ele, sem o menor embaraço. — Às vezes desenho no meu caderno…

Uma sensação curiosa apoderou-se de mim — uma mistura de confusão e uma súbita satisfação que me fez corar ligeiramente.

— Depois de tanto incentivar os meus pacientes a fazê-lo — continuou — pensei que isso também me poderia ajudar, sem outra ambição senão compreender melhor certas situações. E devo confessar, com alguma modéstia, que acabei por gostar. Decidi então não me deixar guiar pela imaginação — ou pelo menos, pelo que eu entendia como imaginação. Posso até saber o que quero desenhar — uma cena, por exemplo, que um paciente me tenha descrito — mas o que surge na folha ultrapassa-me completamente.

— Quanto ao pequeno esboço que o senhor… forçosamente espreitou — se teve dificuldade em compreender o que se passa ali, devo dizer que eu também. Diria até que o verdadeiro interesse, por mais absurdo que pareça, reside precisamente nesse sentimento de ser ultrapassado. Veja, foi isso mesmo que me levou — como o senhor parece ter adivinhado — a empreender este trabalho, sem imaginar de forma alguma que, por um desses acasos que fazem e desfazem o mundo, acabaria por se encontrar frente a frente com o desenho que me trouxe…

Fiquei estupefacto. Não consegui conter-me e perguntei:
— Essa imagem de que falamos… seria o senhor o autor?

— Da minha parte — respondeu ele, um pouco confuso, o que não era do seu feitio — tive a sensação de que a encontrava, se posso dizê-lo assim… pela segunda vez. E quando me pediu que a analisasse, não demorou muito para eu perceber que ela se tornara, de maneira surpreendente, completamente estranha para mim.

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