mercredi 22 octobre 2025

IV. O náufrago


« Nos momentos mais puros da alegria, o mundo deixa de ser trágico. Mas quando o grito se cala, tudo volta a ser grave e nítido. Compreendi então que não basta viver: é preciso persistir. Pois aquilo que irrompe na luz acaba sempre por se dissolver na sombra, e a felicidade não é senão o acordo passageiro entre o homem e o mundo. Quando esse acordo se quebra, é preciso descer ao fundo, até à raiz do desastre, para reencontrar a respiração comum.»
 
Albert Camus, Núpcias em Tipasa
 
 
Mas permanecia aquela silhueta, sobre as rochas vermelhas. Tornava-se cada vez menos desconhecida para mim… E, de repente, tudo se iluminou de outra forma: não era um homem, nem uma criança… em luta,
mas um homem encalhado. Não o confronto, mas o depois. A imagem não mostra a ação; mostra o que resta do mundo depois do desastre.
Essas rochas perdidas, inóspitas, não são um refúgio, mas um resto. Estar ali é já estar a mais. A figura já não vive: persiste. O náufrago é aquele que viu o fundo. E o fundo é precisamente o monstro.
Jonas, Pinóquio, Acab — todos os que viram o monstro desapareceram, de certa forma.
Porque o fundo não é um lugar: é uma passagem. O ventre da besta é o interior do mundo.
Os que lá vão deixam algo para trás: a sua inocência, o seu olhar, o seu contorno. O náufrago do desenho viu o Leviatã não como uma ameaça, mas como a forma visível do interior. E, quando volta à superfície, se é que ainda o espera, já não estará separado dele. Partilhará, doravante, com o monstro a mesma respiração: aparecer, desaparecer, reaparecer. Foi então que me apercebi, com grande espanto,
de que a imagem mudava constantemente… Aproximei-me muito mais do caderno do meu amigo Lucian… e o que vi então… deixou-me sem palavras.
 
Continua…

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