samedi 1 novembre 2025

A linguagem, esse jogo entre o dizer e o dito

 


– Lucian, ontem fiz-lhe duas perguntas, as mesmas de anteontem… às quais, apesar de longos discursos… não respondeu. Quer que lhas recorde?
– Faça favor…
– Diga-me… em nome da nossa amizade… o que queria dizer ontem… e antes… quando falava de consulta? E… porque não me respondeu sobre os desenhos?
– Ah… a linguagem.
– Não, falo-lhe de desenho… de imagem… e de consulta…
– Sim, mais um entre-dois, talvez o mais profundo, o mais perigoso, o mais fecundo.
A linguagem é o que acontece entre a coisa e o sentido, entre o corpo e o mundo.
– E o desenho… ou a imagem, se preferir!
– É uma passagem. Uma passagem de ser.
– Quando falo, Lucian, parece que não sou eu que falo, mas algo que passa através de mim… e também… atrever-me-ei a dizê-lo?
– Atreva-se! Atreva-se!
– Uma palavra que nos atravessa, que procura o seu caminho no nosso sopro.
– Veja, Ignatius, há sempre duas margens:
o dizer e o dito.
– Há também eu e você e… perdoe-me… as margens de quê?
– Dois lados… se preferir. O que digo, e o que se diz apesar de mim, apesar de si.
– E seria, se o entendo, entre os dois que a palavra fala realmente.
– O dizer é o gesto vivo da palavra; o dito é o traço, o resultado, a forma fixa. Mas a vida da palavra está no entre: no batimento, no movimento do dizer para o dito. A linguagem não é uma ferramenta: é um teatro de passagem.
– Como nas suas consultas!
– Exactamente. Cada palavra é um palco onde o sentido se arrisca, tropeça, inventa a sua forma. E a beleza da linguagem é que falha sempre um pouco.
– Como quando se recusa a responder-me!
– Como no seu pensamento… há sempre um resto, um intervalo, e é esse intervalo que faz a fala continuar. Se a palavra dissesse tudo, deixaria de haver palavra.
– Seria a morte do jogo.
– Por isso falar é desejar. A linguagem é o desejo do sentido: nunca realizado, sempre a caminho. Falamos para alcançar, mas nunca alcançamos por completo. Como você, que esquece quem é e porque está aqui…
– Não compreendo!
– Você é Ignatius… um dos meus pacientes…
– ???
Ignatius fica sem fôlego. Nenhuma palavra lhe sai da boca.
– É neste espaço de imperfeição que o humano vive, cria, ama, sonha, Ignatius. E há este paradoxo: a linguagem separa-nos, mas também nos liga. Entre nós… entre si e o outro, não há fusão possível.
Estupefacto, encerrado no silêncio, Ignatius não se move. E contudo, de longe, muito longe, começa a formar-se uma palavra que não sabe compreender.
– Há a palavra… a que agora lhe falta… A palavra é uma ponte frágil lançada sobre o abismo. Uma ponte de ar e som, mas por vezes mais sólida que pedra. A linguagem é também memória em acto. Ouça a fala… Cada palavra vem de longe, de outras bocas, de outros tempos. Quando falamos, convocamos séculos sem o saber.
Ignatius, imóvel, perdido, já não sabe em quem acreditar. Deverá confiar neste homem que julgava seu amigo e que, manifestamente, não o é?
– A palavra «amor», por exemplo, Ignatius, é um mil-folhas de séculos e de peles. E contudo, cada vez que a dizemos, ela é nova. Porque passa por este dizer, esta voz, este instante. Como diz o meu amigo Daniel Sibony: a linguagem é uma cadeia de passes.
De boca em boca, de geração em geração, a palavra circula, transforma-se, joga.
É o jogo do mundo a falar através de nós.
E se me perguntassem: “Onde está a verdadeira linguagem?”
responderia: na falha… mas também na imagem…
A estas palavras, Ignatius recupera cor, quase imperceptivelmente. Anima-se, reencontra lentamente as palavras que o tinham abandonado.
– Entre o que queria dizer e o que disse.
Entre o que disse e o que ouviu… aí também há um abismo no qual, parece-me… o senhor também pode estar preso ou simplesmente perdido! Pois talvez o tenha intuído… mas julgo ter visto indícios ao folhear o seu caderno que me levam a pensar que poderá ser o autor das imagens que me trouxe!
O momento, compreende-se, não era simples.
– É aí que vive, que cria, que deseja.
É aí que o sentido dança, como uma chama entre dois sopros, Ignatius — o seu e o meu. Se desenho no meu caderno… não sou o autor desses desenhos que me traz. Se os reproduzo, é para lhes dar voz…
A linguagem — mesmo a da imagem — é o entre-dois por excelência: nem puro espírito, nem puro corpo; nem pura verdade, nem pura mentira. É o movimento pelo qual o mundo tenta dizer-se, e falha o suficiente para continuar.
Sim, falar… ou desenhar… é jogar. Mas é um jogo sério: um jogo onde arriscamos o nosso ser a cada palavra.
– Tem sempre de jogar com as palavras, Lucian!
– E no dia em que deixarmos de jogar com as palavras, no dia em que tudo estiver dito, talvez seja o dia em que o mundo deixará de falar.

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