— O que é a memória? O objecto-memória, se existir…
– Ah… excelente pergunta. Bela, até.
Porque toca aquilo que há de mais vivo: todos falamos de memória, mas quando tentamos agarrá-la, ela escapa-se. E ainda bem — a memória não foi feita para ser capturada.
– Para que serve?
– Serve para jogar. Portanto, se me pede, enquanto ser racional, para definir o “objecto-memória”… eu dir-lhe-ia primeiro, como diria Daniel Sibony: não há objecto.
– Então o que há?
– Há uma relação. A memória não é uma coisa que se possui; é um jogo de diferenças entre traços. Um sistema de diferenças que mantém um vínculo sem fixar o conteúdo.
Na matemática — veja — temos estruturas, conjuntos, relações. Pois bem, a memória é uma estrutura viva de relações entre traços.
A c não é um depósito de traços, mas a ligação desses traços, a forma como jogam entre si — e também o espaço onde esses traços continuam a deslocar-se, a iluminar-se uns aos outros.
Se eu tivesse de ser esquemático:
A memória é o conjunto (M) dos traços (t₁, t₂, …, tₙ).
– Perdoe a minha ignorância, mas não conheço este tipo de linguagem…
– E o que importa não é cada traço, mas os intervalos (eᵢⱼ = tᵢ − tⱼ). São esses intervalos que fazem a memória: abrem um espaço simbólico onde o passado permanece em jogo.
É por isso que a memória não é um registo. Um computador regista; ele tem armazenamento, não memória.
A memória humana esquece para poder lembrar. Apaga para dar forma. Retém deixando escapar. Cria vazios para que algo possa regressar.
Então, se procuramos uma definição “racional”, é preciso aceitar que o racional não exclui o jogo. A memória é um espaço de iteração viva: em cada evocação, ela reencena aquilo que pretende guardar. É uma função dinâmica, não um conteúdo fixo.
E é aí que matemática e psicanálise se encontram, veja: uma equação é uma relação entre termos que se podem mover; uma lembrança é igual — uma relação que se pode jogar de outra maneira.
A memória é o pôr-em-jogo do passado no presente.
– Então o “objecto-memória”…
– Eu diria: não é um objecto, é uma passagem.
Um lugar de trânsito. Um lugar onde o tempo se dobra, onde os traços trocam de lugar.
Um lugar que nos permite ser contínuos sem sermos idênticos.
É o que faz com que, mesmo quando tudo muda, algo permaneça — mas esse algo é precisamente o movimento.
Portanto, não, a memória não é uma caixa.
É uma geometria do entre-dois: entre o que foi e o que é, entre o traço e o vivo.
E talvez seja a mais bela invenção humana: saber manter juntos o que já não existe e o que ainda não existe.
Faz uma pausa, olha para Ignatius.
— Veja, a memória é como o amor: quando tenta transformá-la num objecto, ela escapa-lhe.
Mas enquanto a deixa jogar, ela faz-o existir.
Ignatius sorri. O tom acalma. Percebe-se que Lucian acaba de dar uma definição — sim — mas uma definição viva, à sua maneira: pela passagem, pelo jogo, pelo entre-dois.
– Diga-me, Ignatius, creio que está na altura de esclarecermos certas coisas…
– Do que fala?
– Da nossa relação.
– Esse entre-dois…
– Como o definiria?
– Está hoje particularmente misterioso…
Um observador atento veria Ignatius em equilíbrio precário numa corda tão instável quanto ele próprio.
– Sabe bem, Lucian… somos amigos…
Uma leve hesitação na voz… rapidamente substituída por uma ansiedade crescente.
– Parece-me que, há já algum tempo, a sua memória lhe tem pregado partidas, Ignatius. Ter-se-á esquecido do motivo pelo qual estamos aqui… no meu consultório?
Lucian insiste nessa última palavra. O suficiente para deixar Ignatius sem voz…

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