Séneca
Lucian relata a cena no seu diário:
Dizia ter compreendido — ou pressentido — que aquela boca aberta sobre a morte podia abalar a fé até do crente mais sincero… o que ele não era.
“Esta imagem poderia fazer alguém perder a razão.”
Para ele, se bem o entendi, a imagem tornou-se símbolo de uma fé confrontada com a morte, do mistério do mal e da tentação da dúvida.
O realismo distante dessa imagem simbólica tornou-se um instrumento dramático:
“Como se fosse morrer,” disse-me ele, “como qualquer homem, sem retorno?
E que seria de nós sem o amor do mundo, se já não houvesse esperança?”
A fé só existe se atravessar o abismo do absurdo — aquele onde tudo parece perdido.
“Só depois de encarar este monstro, este homem diante da morte, Ignatius, é que Don Cenoura pode acreditar no milagre da ressurreição.”
“Não creio que tenha coragem para isso,” respondeu-me… mas ao mesmo tempo já iniciava uma mudança de rumo… e depois disse-me que ouvira uma voz que lhe parecia ser a de Sangue Quente, dizendo:
“Nenhum cavaleiro deve desprezar a sua montada, seja qual for, nem desdenhar o caminho, por mais estreito ou escuro que pareça. Pois muitas vezes é mais valoroso aquele que se curva para passar a porta estreita do que o que cavalga orgulhoso pelos grandes caminhos. A grandeza, senhor, não se vê nas armas brilhantes nem na sombra lançada sob o grande sol, mas no coração que suporta e consente à prova sem riso nem murmúrio.”
Lucian continua a redacção do seu caderno:
“Foi assim que Ignatius me disse ter recuperado a coragem e a lembrança do seu companheiro…
Quanto a mim, custava-me distinguir — confesso — quem, de mim próprio, de Don Cenoura ou de Ignatius, lutava com a velha questão: devo julgar a prova pela sua aparência ou pelo seu alcance invisível?”

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