samedi 8 novembre 2025

Un signo

 “Um signo somos, sem interpretação,
Sem dor somos, e quase
Perdemos a linguagem, longe de casa.”

 Hölderlin, Mnemosyne


– Veja, Igniatius, Paul Ricoeur, em Si mesmo como um outro, distingue duas formas de identidade:
a identidade-idem, a do mesmo, da permanência no tempo, e a identidade-ipse, a da própria pessoa.
Dom Quixote, tal como Dom Cenoura, ilustra de forma notável a tensão entre estes dois pólos.
O seu idem permanece o de um velho fidalgo castelhano, Alonso Quijano;
mas o seu ipse, o seu eu vivo, transforma-se profundamente: torna-se o herói que inventa.
Assim acontece também consigo e com Dom Cenoura.
– Seria uma metamorfose!
– Sim… mas essa metamorfose através do relato não suprime a sua identidade — cria-a.
É fiel a si mesmo não permanecendo o mesmo, mas permanecendo fiel ao seu próprio relato.
– Não será isso… uma deriva perigosa?
– Reconheço, como diz, que esta identidade narrativa não está isenta de perigo.
Toda a construção narrativa comporta o risco de confundir o sentido com o real, de fazer prevalecer a coerência do relato sobre a verdade do mundo.
Dom Quixote confronta-se com esse limite: quando toma os moinhos por gigantes, ilustra tanto o poder como a fragilidade da imaginação narrativa.
No entanto, o que Cervantes põe em cena não é apenas uma loucura individual: é a condição humana naquilo que ela tem de mais profundo.
Viver é sempre correr o risco de confundir o mundo com as histórias que dele fazemos.
Mas é também, e sobretudo, dar forma à experiência para torná-la inteligível.
Sem esse trabalho narrativo, não há memória, nem projecto, nem sentido.
O final do romance comove-me particularmente.
Quando Dom Quixote recupera a razão e renuncia à sua personagem, morre de imediato.
Essa morte simbólica significa que a vida só se sustenta pelo relato que faz de si mesma.
Privado de história, o homem perde o fio que liga o seu passado, o seu presente e o seu futuro.
Diria que Dom Quixote morre pela ruptura da sua própria narração.
A sua morte não é apenas a de uma personagem: é a imagem do que acontece a todo o ser humano quando a sua vida deixa de se narrar.
Assim, vejo em Dom Quixote uma parábola da minha intuição mais essencial:
somos ao mesmo tempo os autores, os narradores e as personagens das nossas vidas.
A nossa identidade forma-se através do relato — das histórias que herdamos, acreditamos, transformamos e transmitimos.
Dom Quixote, pela sua existência narrada, confirma que o homem não tem outra maneira de estar no mundo senão narrativamente.
Cervantes, antes da filosofia, já compreendia que a vida humana só tem coerência porque se transforma em narrativa.
Dir-lhe-ia, portanto, que Dom Quixote — não apenas o senhor... quero dizer, Dom Cenoura — não é simplesmente uma personagem de ficção;
é a figura exemplar do Si humano, que só se torna ele próprio ao narrar-se.
Revela que a vida só se compreende, se unifica e se salva na própria palavra que a conta.


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